A Gente Aumenta, Mas Não Inventa: Vinho é Emoção ou Técnica?

“Quem nunca ouviu um ‘gira a taça, fala qualquer coisa bonita e pronto: você entende de vinho’? Pois é. A ironia de alguns revela mais sobre o desconhecimento do que sobre o vinho em si.”

Outro dia, num almoço de família, meu primo — daqueles que só tomam cerveja geladíssima no gargalo — lançou mais uma das suas:

“Melissa, fala a verdade, você inventa metade desses aromas, né? Cereja preta, couro molhado, tabaco… quem sente isso num vinho, minha filha?”

Eu ri. Ri porque já ouvi isso tantas vezes que até já virou parte da minha jornada como sommelière e mulher apaixonada por esse universo. Mas também ri porque sei que, por trás da piada, existe uma resistência real: o vinho, para muitos, ainda parece inalcançável. Puro “postureo“, como dizem os espanhóis. Um teatro para impressionar.

Mas a verdade é que a boca sente antes da mente compreender. E o que para uns parece invencionice, para outros é apenas escuta sensorial apurada.

Quando a ignorância vira opinião

Existe um fenômeno curioso: quanto menos se conhece o vinho, mais se desconfia dele. Já reparou?

Recentemente, escrevi sobre a onda de vinhos falsificados que tem enganado consumidores ao redor do mundo. E, curiosamente, essas fraudes só existem porque há quem compre rótulo sem prestar atenção à taça. Degustar, nesse contexto, não é frescura. É proteção, é conhecimento, é experiência real.

Degustar é uma escuta

No meu livro O Despertar do Vinho, compartilho que aprender a degustar é, antes de tudo, aprender a ouvir o que está no copo. O gesto de girar a taça não é um clichê performático: é uma forma de liberar os compostos aromáticos que estavam ali, escondidos. 

Como eu escrevo: “O vinho não fala alto. Ele cochicha. É preciso silêncio e presença para escutá-lo.”

Identificar aromas, sentir texturas, perceber persistências: tudo isso exige entrega, treino e, acima de tudo, vulnerabilidade para sentir antes de saber nomear.

Sentir também é ciência

Não se trata de imaginação. Os compostos voláteis presentes no vinho são cientificamente estudados. É química, é biologia sensorial. É neurociência. Quando você sente notas de frutas secas, baunilha ou eucalipto, isso tem relação direta com os elementos presentes naquela bebida, vindos das uvas, do terroir, da barrica, do tempo.

Mas também tem a ver com memória. Com vivência. Com subjetividade.

Por isso, quando alguém ironiza os aromas, o que está fazendo é ignorar o próprio corpo como instrumento de percepção. E, pior, está perdendo a oportunidade de aprender algo novo sobre si.

A primeira vez que um vinho me emocionou

Não foi um rótulo caríssimo, nem uma ocasião especial. Foi um vinho simples, bebido devagar, com presença. Ele me lembrou a casa da minha avó. A prateleira de madeira antiga. O cheiro do quintal depois da chuva.

E ali, pela primeira vez, eu entendi que vinho não é só bebida. É um portal.

Desde então, nunca mais degustei da mesma forma. Não se trata de decorar fichas técnicas, mas de conectar o externo com o interno. O paladar à memória. O aroma às emoções.

Então, vinho é emoção ou técnica?

É os dois. A técnica sustenta a emoção, e a emoção dá sentido à técnica. Um não exclui o outro.

Quem gira a taça com intenção, escuta. Quem escuta, sente. E quem sente, nunca mais volta a beber do mesmo jeito.

Por isso, se você quer aprender a degustar de verdade, comece por silenciar os ruídos externos.

E lembre-se: “A mente pode mentir. A boca, não.”

Quer viver essa experiência com mais profundidade? Preencha o formulário de interesse e venha para O Código do Vinho. Aqui, a gente gira a taça com conteúdo. E sente com verdade.

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